Quantas vezes sonhamos com algo que a vida teima em afastar? E quantas vezes estamos à porta da nossa oportunidade e a vida puxa-nos o tapete?
Já passei por isto e sei que vou continuamente passar. Nem sempre conseguimos o que queremos ou da forma como imaginamos. Mas quando somos atingidos por aquele rasgo de fé de querer algo tão intensamente, sentimos que nada nos pode impedir.
Eu quis aprender a surfar. Por várias razões, mas acima de tudo, para descobrir em mim a força de vontade e de superação a qualquer obstáculo. E nada maior do que o meu medo do mar, que ambiguamente me hipnotiza também. Comecei por me inscrever numa escola de surf. Aos fins-de-semana lá ia eu de lycra colorida vestida para as espumas do mar até dia que me dizem para remar para lá da rebentação. Chegara o momento da verdade, aquele em que o meu medo tinha de ser enfrentado. Inspirei fundo, convenci-me de que era capaz e remei como nunca. Estes movimentos tornaram-se num hábito e as aulas deram lugar a prancha, fato e idas solitárias à praia. Sempre com coragem. Sempre com medo subjacente. Mas ia, acreditando que eu e o surf fazíamos dupla perfeita.
Mas nem tudo é um mar de rosas. Certo dia de novembro, depois de sorrir a umas quantas ondas, desisti por cansaço de estar no mar. Ao sair querer saír da água, perdi o controlo da prancha, mas a prancha, sacana, não me perdeu. Embrulhada no fundo do mar, durante um tempo que me pareceu eterno, a prancha bateu-me e abri a cabeça. Coloquei a mão onde senti a pancada e dei pelo corte. Tentei voltar rápido à tona, mas a rebentação forte deu-me luta. Assim que consegui, tinha sangue por todo o lado. Quem estava pela praia veio em meu socorro. Horas depois, já nas urgências, nada de pontos. “Teve sorte”, disse a enfermeira. Era apenas um corte que iria sarar sozinho. Mas precisava de tempo e de repouso. Durante esse tempo, nada de surf, nada de mar. Castigo. Logo agora que estava a gostar tanto…
Aquela conquista inicial de força de vontade e de superação deram força ao medo que tinha do mar, e tudo se afogou no instante do acidente.
Fiquei por casa uns dias por prevenção. Tinha em repetição na minha mente a sensação da prancha me bater com força enquanto o mar me deixava no fundo. O pânico era mais forte do que a dor da pancada. E se não estivesse alguém por perto para me ajudar? E se voltar a acontecer? Aquela conquista inicial de força de vontade, de superação deram força ao medo que tinha do mar e tudo se afogou no instante do acidente. Só que como tudo na vida, precisamos de encontrar maneira de lidar com o que nos acontece. E aqui, não foi excepção.
Aceita o que acontece. Não valia a pena ignorar o incidente. O surf, como qualquer outra coisa na nossa vida, pode magoar. Na altura fiquei chateada, irritada, desacreditada. Será que sou mesmo capaz disto? É só cabeça partida no fundo do mar. Podia ser pior. Ter a noção de que isto acontece e faz parte é meio caminho andado para não me perder em pensamentos paralelos. Depois, gosto de acreditar que tudo acontece por uma razão, e que mais cedo ou mais tarde acaba por se explicar.
Manter o foco. Esta sensação de ter errado, de ter falhado de alguma forma, faz-nos questionar a nossa capacidade e vontade, por vezes até, desistir. Mas não podemos. Sabem quando nos dizem “não” e por teimosia mantemos o foco no que queremos? Aqui é igual.
Inspiração é fonte de vontade. Em casa de castigo. O mar ali ao fundo da rua com ondas perfeitas e eu sem poder ir. Podia ficar a lamentar, mas o que fiz foi simples. Procurei manter-me inspirada. Li sobre o tema, as quedas, como aprender a cair, biografias e histórias de outras pessoas de superação. Fiz aulas teóricas através do YouTube. Com isto consegui lidar de uma forma mais racional com o meu medo e manter-me inspirada para voltar ao surf.
Acima de tudo, temos de dar tempo ao tempo. Tudo pode acontecer e tudo acaba por curar. A forma como vivemos cada impasse dita se foi uma falha ou um sucesso. Por isso, quando a vida me voltar a puxar o tapete, eu vou continuar a surfar.