Pode soar a cliché, mas foi o que senti ao visitar os Açores. Liberdade em pleno oceano. Como estava por Lisboa, foi fácil comprar um voo de última hora para São Miguel. Gosto disto; de não planear muito e deixar-me ir. Acho que ajudou a sentir ainda mais esta liberdade de explorar as paisagens intactas e serenas em pleno oceano.
Não fui de mochila, mas fui minimalista a fazer a mala. Sendo dezembro, era importante levar o impermeável e biquíni velho (sim, tem de ser velho) para me enfiar nas águas quentes termais. Não fiquei hospedada em nenhum hotel, a Inês – a minha amiga desde sempre – vive nos Açores. Tive, por isso, direito a guia privada durante 4 dias por São Miguel. A grande vantagem de conhecer o destino com um local é que não te perdes e nem perdes tempo à procura dos lugares a visitar.
Aterrei de noite, nem vi a pista. Ao sair do aeroporto, caiu-me na memória Bali. Aquela humidade de estares no meio do oceano. O frio que se fazia sentir em Lisboa, ali se esvaneceu. Palmeiras e ar tropical, foram estas as primeiras vibrações. Rasguei um sorriso, cheio de vontade.
Roteiro de Chás e Paisagens Encobertas
De manhã, no primeiro dia, o céu estava demasiado encoberto. Espreitámos as câmeras de todos os pontos a visitar, e esta é uma dica indispensável, tens de o fazer. Se vês as câmaras da praia antes de ires surfar, faz o mesmo quando se trata de visitar a Lagoa das Sete Cidades e outros pontos imperdíveis. E, sendo uma ilha, temos de compreender que a volatilidade do tempo é enorme. Acho que tive várias estacões, várias vezes ao dia. Levar isto na boa porque quem comanda é a mãe natureza e siga lá aceitar o que ela nos quer dar. A Inês disse-me, não vais embora sem ter um vista deslumbrante sobre a Lagoa das Sete Cidades. Já lá voltamos.
Pegámos no carro e fomos visitar a Fábrica de Chá de Porto Formoso e a Gorreana. Pelo caminho, mar sempre à volta, estradas boas, estradas com vacas, campos verdejantes, paisagens incríveis, luxuosamente naturais. Por momentos, tive a estranha sensação de estar na Suíça, mas com mar. Digo isto pela perfeição da natureza, um enquadramento que nos que nos faz questionar Photoshop ou real? Maravilhosamente maravilhoso para não ser real.
Isto de viajar em tempos de pandemia até nos traz episódios caricatos, como não ser permitido visitar a fábrica de chá por questões de segurança, e sermos convidadas a sentar na sala a ver um vídeo que até está alojado no YouTube. Preferi sentar-me à mesa e experimentar o chá com biscoitos. Afinal, era esse o objetivo.
Seguimos ainda até à Lagoa de São Brás, no concelho de Ribeira Grande. Desci até à lagoa. Estive provavelmente ali sozinha durante uns vinte minutos. Minto. Acompanharam-me patos, vacas e outros animais que me deixaram confusa, mas chamemos-lhes de aves. Pedi-lhes colaboração nas selfies, ia levando uma bicada. Digamos que não são muito recetivos a estas tecnologias. O silêncio perdido nos sons do vento, do cintilar da água da lagoa, sobreposto ao mugir das vacas, deixou-me em estado meditativo sem culpa. Gosto deste simples prazer de sentir o mundo tal como ele é. Aquilo de apreciar o momento.
Dali seguimos até ao Miradouro de Santa Iria, com paragens provocadas pelas vacas. Se há algo que me intrigou nos Açores foi a falta de animais exóticos. Tinha esta ideia de que, por ser uma ilha vulcânica, rica em flora, a fauna seria no mínimo mais tropical. Mas não. Cavalos, vacas, cabritas e as tais aves. O vento entrou, desarrumou o cabelo e as fotografias sairam tremidas. Mas ainda bem que se meteu no meio do miradouro porque limpou a neblina, e lá me deixou vislumbrar o imperioso Atlântico a embater neste pedaço de terra decidido a erguer-se sobre o mar de sal.
Uau a tempo inteiro
Confesso. Tudo para mim era momento uau. Isto de não ter expectativas em relação a algo faz-nos maravilhar facilmente. Talvez fizesse sentido aplicar este estado a mais momentos da vida. A Inês, sabendo que eu gosto de explorar, deixou-me caminhar até um riacho entre floresta verdejante e, de novo, silenciosa. Eu fico encantada com o silêncio. A natureza em pleno descanso, limitando-se apenas a ser. Não anotei o nome e falha-me agora a memória. Só que não há coincidências. Talvez a falta de lembrança serve para manter em segredo esta pequena aventura. De regresso ao carro, metemo-nos estrada fora para chegar lá cima ao miradouro da Lagoa do Fogo. Uau. Sim, de novo. Tive vontade de voar por ali, contornar a silhueta quieta da lagoa, indiferente ao mar que lhe tenta chegar. A fotografia ficou-me na memória.
Biquíni velho, mas não fui à Caldeira Velha
A vantagem de ter uma amiga a viver nos Açores é que te dá dicas vitais: traz um biquíni velho. Dei-lhe ouvidos e ainda bem. Não por causa da Caldeira Velha, que por recomendação da minha Guia (olha o trocadilho Inês), não fui até lá. A aventura foi antes descobrir que o cheiro de enxofre é terrível. Isto nas Furnas. Cheira mesmo mal, mas disse-me a minha avó que foi onde provou um dos melhores cozidos à portuguesa. Troquei o cozido por um hamburger e batatas fritas. Isto de ser millennial…
Estava ansiosa por chegar ao tão falado Parque Terra Nostra para finalmente dar uso ao biquíni velho. E com toda a razão. São 12,5 hectares de jardim botânico, com inúmeras árvores e plantas, que confesso, nunca ter visto. Gostei do passeio pelo parque, dos meus pedidos foto à influencer que tive o privilégio de tirar. Aliás, todo o parque é verdadeiramente instagramável, inclusivamente, a minha cara ao pisar a viscosidade na piscina de água quente termal. Primeiro, não se vê o fundo. Segundo, a água tem um aspeto de barro (daí o biquíni velho). Claro que me recusei de voltar a colocar os pés no fundo. Nestas coisas, até acho sorte contar apenas com 1,60m de existência. Não foi preciso muito esforço para perceber que o melhor era flutuar e nadar. Vem-me à memória as gargalhadas da Inês pelo meu ar de pânico o que é isto que estou a pisar?!. Na verdade, o que importa no meio daquilo tudo – que ainda não sei o que pisei – é que repus as minhas energias na água a 38º graus. Terapia. Logo a seguir, meti-me nas pequenas piscinas adjacentes com hidromassagem. Tão melhor e sem fundo, gelatina.
Baleias à vista, por do sol de perder a vista
Fiquei sem ver as baleias no meu último dia. Queria muito. Infelizmente, o mar estava demasiado agitado e não houve embarcações a sair. A alternativa era continuar a explorar a ilha e dar de caras, sem querer, com o pôr do sol mais que tudo a que já tive direito nesta vida. Quem me segue no Instagram sabe que ando sempre à caça de pores-do-sol com a fatídica hashtag #foreverchasingsunsets. Fiquei ali, durante muito tempo, presente. A sentir aquela energia. Foi destino ali chegar porque quis o GPS mudar de rota e ainda bem. Só depois é que chegámos à Ferraria. O mar, como disse, não quis colaborar nesse dia. Estava demasiado bruto. Tive pena de não experimentar este banho de água quente, provocado pelos vapores vulcânicos, que se mistura com a água fria do mar. O truque é esperar pelas meias marés para sentir a temperatura certa. Quando muito vazia, dizem ser quente demais. A rebentação forte rompia pela pequena enseada, e havendo pouca luz, preferimos não arriscar.
Mas antes de me perder nisto tudo, tive que finalmente encontrar, a Lagoa das Setes Cidades. O tempo tramou todas as tentativas, mas esta era a última hipótese. Chovia. A câmara evidenciava o inevitável: céu muito encoberto. Arriscámos à mesma e pedimos à mãe natureza uma pequena colaboração. Acho que nos ouviu. Mais ou menos.
Atravessei o parque até ao Miradouro Grota do Inferno. Talvez a vantagem de viajar fora de época. Caminhei uns 15 minutos numa ampla estrada de pedrinhas cravadas até encontrar o trilho que leva ao acalmado miradouro. Tem, sem sobra de dúvida, a vista mais deslumbrante para a Lagoa das Sete Cidades. Já no trilho exalei um oh desanimado, pelo manto de neblina que cobria a vista. Dois segundos depois, uau, o vento limpou e consegui ter um momento sobre a paisagem. Voltou a tapar e eu voltei a exalar um oh, seguido de um uau porque o vento decidiu dar de novo uma limpeza ao nevoeiro. A natureza a brincar às escondidas… Felizmente, perdi a vista, vezes sem conta, e nos melhores fragmentos do tempo, tive o privilégio de vivenciar um dos lugares mais bonitos de sempre.
O que é bom é para se viver e comer também. Fechei a viagem com uma última paragem no Bar Caloura, onde me rendi às lapas açorianas, um delicioso camarão frito e uma experiência por peixes frescos grelhados. De fazer crescer água na boca. A cereja no topo do bolo, neste caso, a sobremesa envolvia duas palavras mágicas, chocolate e manteiga de amendoim.
Sim. Estou deslumbrada pelos Açores. E só conheci São Miguel. A próxima etapa é pegar mesmo a mochila e saltar entre as ilhas do arquipélago. Ver o nascer do sol no Pico e conhecer a ilha das Flores. Que assim seja, em breve. Tudo para nunca deixar de ser livre em pleno oceano. Palavra de sal, Mar de Sal.
Um obrigada especial à minha Inês por esta aventura.
You must be logged in to post a comment.